"Trabalho de crianças de até 9
anos cresce no país "
Data: 6 de setembro de 2016
Em 2014, havia 69,9 mil crianças
entre cinco a nove anos de idade
trabalhando no Brasil. O número
representa um crescimento de 15,5%
em relação a 2013. Embora o trabalho
infantil seja proibido no Brasil
para menores de 16 anos - salvo na
condição de aprendiz, a partir dos
14 -, essas crianças mantinham
jornadas em atividades profissionais
variadas. Nessa faixa etária, 21,4
mil eram trabalhadores agrícolas,
30,3 mil trabalhavam na pecuária, 2
mil eram vendedores e 1,4 mil
trabalhavam como garçons, barmen e
copeiros.
Os dados são de levantamento inédito
divulgado pelo Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil (Fnpeti), feito com base na
Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad), do Instituto
Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), divulgada no ano
passado e que mostrou que, em 2014,
o trabalho infantil voltou a crescer
no Brasil pela primeira vez desde
2005, quando 5,5 milhões de crianças
de cinco a 17 anos trabalhavam. O
dado de 2014 indica a existência de
3,3 milhões de meninos e meninas
trabalhando nessas idades. A faixa
dos cinco aos nove anos teve a alta
mais expressiva.
O estudo, realizado pelo pesquisador
Júnior César Dias, técnico do
Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), aponta que
o crescimento foi disseminado. Entre
2003 e 2014, houve aumento do
trabalho infantil em 19 Estados, com
destaque para Roraima (126,5%), Acre
(67,9%), Distrito Federal (63,8%),
Paraíba (58,2%), cujas altas foram
de mais de 50%. Por outro lado,
houve reduções em Pernambuco
(25,1%), Rondônia (20,8%), Rio
Grande do Norte (13,5%), Rio de
Janeiro (11,5%), Goiás (9%), Minas
Gerais (6,3%), Tocantins (5,3%), Rio
Grande do Sul (1,2%) e Ceará (1%).
O trabalho infantil aumentou em
todas as regiões. As maiores altas
de 2013 para 2014 ocorreram no Norte
(11,1%, ou 40.744 casos) e no
Centro-Oeste (7,6%, ou 18,2 mil
casos). Na região Sul, houve
elevação de 4,3% (22.371 casos). No
Nordeste, de 3,8% (40.483 casos), e
no Sudeste, de 2,2% (21.689 casos).
Especialistas ouvidos pelo Valor
alertam para o risco de que os
efeitos da crise econômica elevem
ainda mais os números em 2015 e
2016, já que a informalidade, que
tende a aumentar com o desemprego, é
a maior porta de entrada para o
trabalho infantil.
"Entre 2013 e 2014, pela primeira
vez em quase dez anos, o trabalho
infantil subiu. Ninguém conseguiu
explicar isso", diz a oficial
nacional de projetos da Organização
Internacional do Trabalho (OIT),
Márcia Soares.
Havia, no total, 3,3 milhões de
pessoas entre cinco e 17 anos de
idade ocupados no país, 4,5% a mais
que em 2013. Todas essas crianças
trabalhando irregularmente
representavam 3,3% da população
ocupada no país e 8,1% de todas as
pessoas de cinco a 17 anos. Além de
trabalhar, 80,3% desses jovens
também estudavam. Mais de 2 milhões
desse total (65%) eram meninos, e
62% eram negros.
Em 2014, pouco mais de 1,02 milhão
de crianças (30,8% do total)
trabalhavam em atividades agrícolas.
Apesar disso, 2,2 milhões, ou 66,9%,
viviam em centros urbanos.
"Indicativo que, além de trabalhar,
crianças e adolescentes ainda podem
estar sujeitos aos deslocamentos
(rural-urbano-rural), muitas vezes
perigosos e demorados, até o local
de trabalho e residência", diz o
estudo.
"Nossa preocupação é que quando os
adultos não conseguem se inserir no
mercado de trabalho, as crianças
aparecem como alternativa", afirma
Isa Oliveira, secretária-executiva
do Fnpeti - que destaca, no entanto,
que não há relação causal comprovada
entre recessão econômica e trabalho
infantil. "Nesse período, houve um
aumento das políticas públicas, o
que não se refletiu nos dados.
Então, é muito provável que haja um
componente econômico muito forte",
diz Márcia, da OIT.
No ano passado, quando os dados da
Pnad 2014 foram divulgados, Tereza
Campello, então ministra do
Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, atribuiu o crescimento a uma
"flutuação", que não invertia a
bem-sucedida trajetória de queda
observada no país. Entre 1992 e
2014, houve uma diminuição de 57,1%,
o que representava, à época, 4,4
milhões de crianças e adolescentes a
menos trabalhando no país.
Regionalmente, entre 1992 e 2014 o
Nordeste apresentou a maior queda no
trabalho infantil (63,2%), seguida
pelo Sudeste (60,1%), Sul (59,1%) e
Centro-Oeste (54,9%). A exceção no
período foi a região Norte, onde
houve expansão de 25,2%. O estudo,
no entanto, destaca que o aumento
pode ser explicado, em parte, por
mudanças nas metodologias da Pnad
entre 2003 e 2004. "A redução
ocorreu por uma série de políticas
públicas e também porque estávamos
em uma conjuntura boa", afirma Ana
Lúcia Kassouf, do Departamento de
Economia, Administração e Sociologia
da Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz (Esalq) da USP.
Como exemplo de ações do Estado para
combater o problema, ela cita a
elevação do salário mínimo, a
redução da desigualdade de renda, o
Bolsa Família, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação e o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (Fundef).
À época, a ministra Teresa Campello
destacou que a maioria das crianças
e dos adolescentes que trabalhavam
não estava em funções degradantes e
pesadas, mas atuando como pequenos
agricultores ou no trabalho
doméstico. Ela também ponderou que
alguns jovens buscavam "trajetória
adulta", o que devia ser pesquisado
pelo governo a fim de implantar
modificações no currículo escolar.
Há, de fato, um componente cultural
não desprezível no retrato atual do
trabalho infantil. Na agricultura,
onde estão 30% das crianças que
trabalham, a maior parte dos casos
acontece sob o modelo da agricultura
familiar, tipo mais difícil de
fiscalizar e combater. "Não dá para
fiscalizar dentro da casa das
pessoas e também não dá para chamar
todo pai de explorador", diz Márcia
Soares.
No Rio Grande do Sul, um dos Estados
com maior incidência de trabalho
infantil, "o problema é muito
cultural. Vem da necessidade de os
pais prepararem seus filhos para a
sucessão da propriedade rural",
afirma Luísa Siqueira, coordenadora
da ONG WinRock e do programa
Alcançando a Redução do Trabalho
Infantil pelo Suporte à Educação (Arise),
em parceria com a OIT. Criado em
2012, o programa busca prevenir e
reduzir progressivamente o trabalho
de crianças e adolescentes na
lavoura de tabaco e já atendeu 3 mil
pessoas.
Manter crianças por mais tempo na
escola é a chave para combater o
trabalho infantil, afirma Luísa. "A
experiência nos mostrou a
importância de políticas públicas
específicas para o meio rural", diz.
Em Arroio do Tigre, cidade gaúcha em
que o projeto foi implementado, o
trabalho na infância é, em geral,
uma experiência que os pais passam
aos filhos. "Na maioria dos casos,
eles trabalham na propriedade. Chega
uma idade em que eles não entram no
ensino fundamental e param de
estudar".
Em 2014, havia no Rio Grande do Sul
212 mil crianças de cinco a 17 anos
ocupadas em 2014. Nessa época, seis
Estados concentravam mais da metade
dos casos do Brasil: São Paulo
(461.876), Minas (354.179), Bahia
(296.245), Pará (223.998), Rio
Grande do Sul (212.241) e Maranhão
(208.521).
Embora a maior parte das crianças em
situação de trabalho infantil
estude, elas estão sobrecarregadas e
cansadas. Ana Lúcia, da Esalq,
integrou o projeto Partnership for
Economic Policy (PEP), que analisou
o desenvolvimento de crianças do 5º
ao 9º anos de escolas públicas e
verificou, pelos dados da Prova
Brasil, como o trabalho atrapalha o
desempenho escolar. Os mais
prejudicados, diz a professora, são
os alunos do 5º ano que conciliam
trabalho e estudo. A pesquisa
identificou queda de 10% no
desempenho nos testes de português
entre as meninas que trabalham fora
de casa - e ainda tendem a acumular
atividades domésticas.
Márcia, da OIT, alerta para o risco
de que o desemprego piore o cenário
do trabalho infantil. "Não dá para
apagar o fato de que a pobreza é
determinante no trabalho infantil.
Preocupa", afirma ela. "Se aumentou
de 2013 para 2014, quando a crise da
economia não era ainda tão enfática,
a tendência é aumentar agora."
"É muito provável que a crise, o
empobrecimento das famílias e o
desemprego apontem para um aumento
do trabalho infantil. Entendendo que
a exploração sexual é uma das piores
formas de trabalho infantil", afirma
Márcia Soares.
Fonte:
Valor
Econômico
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